quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Prof. Augusto Tavares: Para que estudar Sociologia?

Prof. Augusto Tavares: Para que estudar Sociologia?

Essa é uma pergunta praticamente inevitável para quem ingressa num curso superior e se depara com disciplinas na área de Sociologia pela primeira vez. Não há nada de incomum nessa interrogação, muito pelo contrário, todas as coisas que dizemos conhecer hoje começaram com a admiração, com o espanto, que gerou uma pergunta e depois outra e nunca mais paramos de questionar o mundo e a nós mesmos...
Mas quando se pergunta o “para que” de algo, pressupõe-se que se esteja querendo saber a sua “utilidade”. Nesse caso, precisa-se também perguntar: o que é uma coisa “útil” e ainda: útil para que e para quem?
Estamos acostumados a julgar útil apenas às coisas que tem uma finalidade prática imediata. Útil é o que serve para alguma coisa, tem uma aplicação boa, aceitável e, portanto, nos deixa felizes e satisfeitos, certo? Certo! Mas não totalmente.
Não estamos acostumados a ver como útil algo que nos incomoda, que questiona nossos valores e comportamentos. Contudo, uma das “utilidades” de se estudar sociologia pode ser que seja exatamente esta: deixar-nos incomodados. Incomodados com as explicações parciais, simplistas e imediatas sobre a vida social; incomodados com as injustiças e a manipulação do poder; incomodados com as verdades que se apresentam como absolutas.
Você deve ter observado que algumas questões parecem não ter resposta, ou não ter uma única resposta, nos causando uma sensação de desânimo. A vida em sociedade é complexa, da reflexão sobre ela não se pode esperar unanimidades.
A perspectiva sociológica exige uma postura de abertura intelectual temperada pela suspeição e curiosidade que nos ajudará a perceber as contradições da vida social. Isso não acontece sem que provoque uma mudança na nossa maneira de enxergar o mundo e a nós mesmos. Quem se dedica a investigar o comportamento humano passa por uma “revolução” em sua vida, as suas relações se transformam, suas idéias se transformam, seus sentimentos se transformam...
No entanto, algumas pessoas já estão acomodadas, e não desejam – na maioria das vezes – mudanças que perturbem sua situação. Mas sendo a própria humanidade um processo, ou seja, um movimento contínuo, não podemos ficar parados. Ao entrar em contato com a sociologia é comum experimentarmos, ao mesmo tempo, momentos de incômodo e de satisfação. Alguns temas discutidos nas aulas podem – e devem – gerar uma situação de dúvida, porém é aí que começa a nascer a possibilidade de um conhecimento autônomo, justamente por podermos expressar nossos ideais e inquietações na busca de um entendimento mais claro e amplo da sociedade.
Lembre-se de que a sociologia nasceu como ciência porque as pessoas sentiram-se insatisfeitas com as explicações que lhes eram dadas e passaram a buscar outras formas de ver e explicar os acontecimentos sociais. Muitas sofreram as conseqüências por ousar pensar diferente, propor mudanças e lutar por seus ideais. E nós que agora nos iniciamos na reflexão sociológica, somos parte dessa tradição.
A sociologia tem a pretensão de ajudar a nos situar diante às questões que hoje são debatidas no mundo ou na sala de visitas da nossa casa. Sendo uma reflexão sistemática sobre o comportamento humano em sociedade, tem muito a ver com o exercício da cidadania. Se a forma como separamos o lixo na cozinha está relacionada com a consciência ecológica – hoje requisitada a nível global – se a maneira como dialogamos com as pessoas está na base da construção de relações mais democráticas, a reflexão sociológica pode nos ajudar a perceber que as nossas ações cotidianas, condicionadas pelas estruturas sócio-culturais, também influenciam este meio, gerando permanências e mudanças.
A Sociologia é dinâmica, é um movimento de construção, destruição e reconstrução de explicações teórica e ações práticas. Como tal, não envelhece nem fica parada no tempo. A atividade de quem se envereda pelos seus caminhos deve ser um exercício constante de dúvida e de crítica, numa postura responsável e comprometida. Não é seu objetivo apresentar soluções fáceis e definitivas para a vida de ninguém, o que ela nos traz é a oportunidade de perceber com mais clareza como o mundo social opera a fim de que se possa planejar caminhos alternativos para a sociedade.
O compromisso com o estudo e com a pesquisa em sociologia, entendido como práxis e não mera repetição, pode ser instrumento interessante para entendermos melhor as situações pelas quais passamos, possibilitando que façamos escolhas mais bem pensadas. Nesse processo, você se sentirá irremediavelmente incomodado, mas verá que assumir esse “incômodo” como uma força propulsora para novos conhecimentos e práticas, o ajudará no caminho da sua formação profissional e crescimento pessoal.

7 comentários:

  1. diga lá moleque, aqui é Beethoven, este texto vou adaptar e usar com meus alunos, não deixe de entrar no blog.

    http://sociologiabetov.blogspot.com/

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  2. Augusto...adorei o texto...
    e o blog é show...estarei sempre por aki

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  3. Estudar sociologia acaba por ser conflitante porque nos induz a questionar sobre as nossas próprias ações. Quanto mais nos estudamos, mais percebemos o quão indignos somos de nossas avaliações crítico-teóricas. Há um abismo entre defender e oferecer a justiça para os outros. Infelizmente, são raras as vezes em que o desejo da maioria prevalece. Diante de tal disparidade, facilita-se a compreensão dos conflitos sociais. O maior problema está na perspectiva egocêntrica que se estabelece através do nosso sistema econômico. Ensinam-nos a sermos "melhores" ao invés de fazermos o melhor pelo bem-estar comum. Um problema educacional, moral e ético. Se às próximas gerações ainda impormos este tal senso primitivo de "seleção natural", nada devemos esperar além do que já temos.
    Esta é a nossa sociedade, tão hipócrita quanto os seus valores. Religiões que facilitam o conformismo, exércitos que possibilitam o controle, leis que mantém uma falsa idéia de ordem.
    Mas a justiça, cega e longe de ser uma realidade, espreita o sofrimento inconsciente e consciente dos povos.

    Bom texto, professor.

    Até mais ver.

    Carlos de Thalisson,
    Direito - FAP, 1º semestre.

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  4. Agradeço a sua participação tão significativa. Você levanta questões muito relevantes. A idéia é essa: provocar a reflexão e o debate.

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  5. Tenho percebido, realmente, que causa "incõmodo" estudar a Sociologia... As inquietações começam, inevitavelmente, a acontecer quando você passa a questionar determinadas situações, por exemplo, por que alguns bairros concentram grande quantidade de pessoas em condições precárias? Você passa a enxergar que essas pessoas, em geral, têm muito em comum: baixa renda, baixo nível de escolaridade, vêm de famílias que também viviam em condições muito difíceis, enxerga-se também que nesses locais o estado não está presente da maneira que deveria...As relações sociais foram e são determinantes para essas pessoas.

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  6. ADOREI CONHECER O BLOG ESPERO APREDER MUITO COM VOCÊ.UM ABRAÇO

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  7. Devemos estudar Sociologia para entendermos cada vez mais que devemos diminuir as desigualdades sociais para que possamos sonhar com um mundo onde todas as pessoas tenham direito de viver uma vida digna onde não passem por necessidades e privações.
    Já aproveito para sugerir uma outra discussão porque se torna tão difícil para o aluno de escola pública ingressar no ensino superior público, onde os cursos como o de Medicina e Direito nas faculdades federais na sua imensa maioria são dominados por alunos que vem de escolas particulares.


    Thiago Bezerra.
    Direito - FAP, 1º Semestre 2012.1 Noite.

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