sexta-feira, 30 de abril de 2010

ATENÇÃO: Aulas de Reposição

FACULDADE PARAÍDO - FAP (DIREITO)
ANTROPOLOGIA (Manhã)
Dia 04/05 (Terça-feira) Hora: 13:30 às 17:30 h.
ANTROPOLOGIA (Noite)
Dia 15/05 (Sábado) Hora: 08:00 às 12:00 h.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

A tortura não é crime político

Política
Pedro Estevam Serrano*
28/04/2010 12:45:07 Carta Capital

O terrorismo de Estado agia a favor da ordem instituída, eis uma diferença. O supremo Tribunal Federal está prestes a iniciar um dos julgamentos mais importantes da história do País: a análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153 proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Associação dos Juízes para a Democracia. A entidade representativa dos advogados sustenta que a Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79) não pode ser aplicada aos agentes do Estado autores de crimes de sangue durante a ditadura (1964-1985).
Assim, tem o STF a oportunidade histórica de colocar um ponto final em questão que segue a turvar nosso passado recente e que tem consequências até os dias atuais. Inicialmente, frise-se, é indubitável a correção do instrumento proposto pela OAB e pela AJD, visto que todas as controvérsias constitucionais acerca da recepção de leis promulgadas anteriormente à Constituição Federal de 1988 devem ser dirimidas na apreciação de ADPFs. Complementarmente, acertam também as entidades ao apontarem o cerne da questão.
O Art. 1º da Lei nº 6.683/79 estabelece que deverá ser “concedida a anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”. Mas é o parágrafo 1º que suscita a controvérsia, ao dizer que: “Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”. Como bem ressaltam os juristas Dalmo Dallari, Pierpaolo Bottini e Igor Tamasauskas, os crimes dos torturadores e homicidas da ditadura não podem ser considerados políticos para fins do regime jurídico protetivo oferecido a esse tipo de conduta pela Constituição Federal, pois, segundo decidido pelo próprio STF, o crime político não se caracteriza apenas pelo móvel ou intenção do agente, mas pelo fato de atentar contra a ordem vigente.
Ora, “se crime político é aquele que lesiona a ordem instituída, ficam evidentemente excluídos dessa definição os delitos praticados por agentes dessa mesma ordem para garantir sua manutenção”. Também como nos demonstram os referidos juristas, não há que se falar em conexão de tais crimes com as condutas dos que se opuseram à ditadura. No direito processual penal brasileiro, “há conexão quando os crimes são praticados pelas mesmas pessoas, ou com a mesma finalidade, ou se os delitos são praticados no mesmo contexto de tempo e de lugar e a prova de um deles interfere na prova do outro”. Por óbvio, as torturas e homicídios não foram praticados no mesmo tempo e no calor do combate, nem tiveram a mesma intenção, contexto ou lugar das condutas delitivas da oposição.
A correção jurídica do mérito da medida proposta nos parece evidente. A questão da possibilidade de retroação de normas constitucionais originárias, como a que considera imprescritível o crime de tortura, não é objeto da demanda, deverá ser debatida futuramente, em cada caso. Muitos dos crimes de homicídio, tortura e estupro foram cometidos contra pessoas que nada fizeram de violento, apenas manifestaram sua opinião, direito esse garantido inclusive pela Constituição da época. É o que ocorreu com Rubens Paiva, Vladimir Herzog e muitos outros cidadãos. No plano político e ético, há um falso debate sobre que lado iniciou a violência, se o Estado ditatorial com o Ato Institucional nº 5 ou os movimentos de oposição armada ao regime.
A violência iniciou-se em 1º de abril de 1964, com a ruptura violenta da ordem constitucional democrática e a deposição do governo legitimamente eleito. Cidadãos como Gregório Bezerra chegaram a ser torturados em praça pública, no dia seguinte ao golpe, sob a mera alegação de serem “comunistas”. A selvageria cometida contra Gregório Bezerra no Recife é simbólica do que caracterizaria os atos de tortura e homicídio pelos agentes oficiais e clandestinos do regime. Tais atos tinham como vítimas imediatas as pessoas violentadas ou mortas, mas como vítima mediata a sociedade, que o arbítrio desejava dominar pelo medo, pelo terror na vida política. A definição do crime de terrorismo é complexa, mas certamente entre seus elementos fundamentais inclui-se esse, qual seja: que o ato delituoso visa atingir a vida social e não apenas a vítima direta da violência.
O terrorismo pode ser praticado por opositores, como foi o caso dos crimes de extrema-esquerda e direita praticados contra a democracia italiana na década de 1970. Ou por estrangeiros contra um país, como foi o atentado contra as torres gêmeas de Nova York. Mas também pode ser realizado por Estados, quando seus agentes torturam e matam opositores, com o fim maior de calar a sociedade e se impor como governo. Assim ocorreu no Brasil. Críticas devem ser feitas àqueles que pegaram em armas contra o regime, mas estas se põem mais no plano funcional, pelo voluntarismo que acabou servindo à propaganda do arbítrio, que na dimensão ética de sua conduta. Independentemente da intenção dos oposicionistas que pegaram em armas, se desejavam num futuro abstrato a instauração do socialismo ou se preferiam uma democracia popular de unidade nacional, sua luta concreta foi contra um Estado terrorista e totalitário, traduzindo-se como legítima defesa das liberdades públicas aviltadas pela violência ditatorial.
Para quem defende os valores políticos do Estado Democrático de Direito, o que legitima o uso da violência pelo Estado para impor suas normas é a sua rea-l submissão a uma pauta de princípios garantidores dos direitos fundamentais e a adoção de procedimentos de escolha dos governantes que pratiquem as regras do jogo democrático, inclusive, a plena observação das liberdades públicas que lhe são inerentes. É inaceitável no plano ético comparar jovens vitimados com seus algozes. O que se deseja não é tanto a punição dos homúnculos que se escondem, a demonstrar sua insofismável covardia, mas sim a apuração do ocorrido e o chamamento à sua responsabilidade histórica.
O que está em jogo neste julgamento é muito mais que o legítimo direito das vítimas à indenização individua-l. É o direito à reparação da grande vítima indireta do terrorismo estatal, a sociedade. Só a recuperação de sua história reparará o mal a ela causado pelo medo e pelo silêncio impostos. A OAB, com tal iniciativa, se põe lá onde sempre esteve, na luta pelas liberdades, contra a tirania em todas suas consequências. Sem desejo de vingança, mas com o desiderato de conhecer e marcar na memória fatos cuja ciência à sociedade pertence.
*Pedro Estevam Serrano é advogado, sócio do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano e Renault Advogados Associados, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP, onde leciona. Autor de O Desvio de Poder na Função Legislativa (editora FTD) e Região Metropolitana e seu Regime Constitucional (editora Verbatim). Coautor de Dez Anos de Constituição (editora IBDC).

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Texto para a aula de Antropologia

"DA ANTROPOLOGIA E DO DIREITO, ou como domesticar seu pensmento”
Paula Miraglia

Lançar mão da antropologia, não só dos seus métodos de pesquisa, mas também de seu arsenal teórico, para analisar o discurso do direito e de seu campo de atuação é, na verdade, promover o encontro entre duas disciplinas que se colocam em lados opostos no que se refere à dimensão simbólica do poder. Podemos dizer que o direito opera na chave da "razão prática". Numa lógica de causa e efeito, a aplicação da lei baseia-se numa correspondência direta entre dado, fato, prova e a imagem de justiça.
Para a antropologia, contudo, a idéia de "realidade dos fatos", pura e simplesmente não cabe, ou pelo menos não vem a ser uma preocupação exclusiva. Como aponta Clifford Geertz, há uma espécie de preconceito advindo da idéia de que "o 'simbólico' se opõe ao 'real' como o extravagante ao sóbrio, o figurativo ao literal, o obscuro ao simples, o decorativo ao substancial". Ainda nas palavras do autor, a dramaturgia do poder não é exterior ao seu funcionamento. O real, segundo ele, é tão imaginado como o imaginário. Para falar do poder, a antropologia busca elementos que constroem sua simbologia dramática.
A despeito da diferença de idade entre as duas, não é de hoje que a antropologia e o direito têm encontrado espaços comuns de debate. Esses encontros, contudo, têm se dado de maneiras muito diferentes. Nesse sentido, propomos uma pequena reflexão acerca da trajetória das aproximações e estranhamentos entre as duas disciplinas.
Para os juristas, há uma relação imediata entre direito e sociedade. Na verdade, mais do que isso, não há sociedade sem direito. Pois, para que o homem "viva em sociedade", é imprescindível que os diversos interesses manifestos na vida social, bem como os conflitos advindos desses interesses, sejam orquestrados e resolvidos. Logo, o direito teria primordialmente a função de ordenação social, sendo o Estado o meio para garantir essa ordenação. A existência do Leviatã assegura, pela violência ou, mais especificamente, pelo monopólio dela, que os homens não vivam na condição de "guerra de todos contra todos".

Isso posto, poderíamos, de forma generalizante, assumir as premissas de que sob a ótica jurídica não há sociedade sem Estado e de que o direito, na sua forma de cultura legal, por conseqüência, é um valor universal. Ainda que explorássemos as nuanças dos debates mais recentes sobre a universalidade do direito e dos modos de organização social sob essa perspectiva, tentando com isso relativizar a posição das ciências jurídicas, é certo que do ponto de vista formal da disciplina poderíamos confirmar essas duas premissas.
Não se trata de dizer que há por parte do direito uma preocupação em universalizar o modelo, estendendo-o a sociedades que não a ocidental. Mas sim apontar uma perspectiva de certa maneira ainda evolucionista e exclusiva por parte da disciplina, uma vez que esta não "dá conta" de sociedades que não têm uma organização social baseada num modelo que compreenda a figura do Estado.

Desse modo, não precisamos ir muito longe para perceber por que o ideário do direito despertaria o interesse da antropologia. Se o primeiro parte de um modelo universal para pensar a organização social, a segunda percorre o trajeto inverso ao encontrar nesses modelos particularidades que põem em xeque a sua própria generalização.

Se, para o advogado, a lei interessa na medida em que separa o certo do errado, o lícito do ilícito, para o antropólogo a lei ou a legislação não representam apenas o aspecto formal do controle social, mas uma manifestação desse conjunto de valores que poderíamos chamar de "cultura" (ainda que a definição desse termo seja um desafio constituinte para a antropologia). Não se trata aqui de menosprezar a importância da lei, mas apenas apontar que a ela somam-se outros mecanismos de efetivação de autoridade e imposição da regra. Em outras palavras, podemos dizer que o controle se dá pela via legal, mas também por uma série de outros reguladores sociais que atuam em esferas de poder alternativas àquelas gerenciadas pelo Estado, ligados, por exemplo, a noções como valor, tradição, hierarquia, legitimidade e obediência.

O interesse da antropologia pelo universo das leis e sua aplicação na resolução de conflitos não é recente. Junto com os subcampos da disciplina que aparecem após a Segunda Guerra Mundial — como, por exemplo, a antropologia política e a antropologia da religião —, está a antropologia do direito.
Assim como para o restante da disciplina, os primeiros objetos de estudo da antropologia jurídica foram as sociedades tradicionais ou ditas primitivas. As publicações de Crime and custom in sauvage society, de Bronislaw Malinowski, em 1926, e posteriormente de The Cheyenne Way: conflict and law in a primitive jurisprudence, de Llewellyn & Hoebel, em 1941, marcam o início dos chamados estudos de antropologia jurídica para as escolas britânica e americana, respectivamente. De maneira geral, nesses estudos, encontramos uma análise das normas legais que regem as sociedades e de como são aplicadas na resolução de conflitos ou disputas.
Ao estudar as chamadas sociedades sem Estado — sem instituições formais como o Poder Judiciário, na maioria das vezes de tradição oral, onde as leis não estão documentadas —, o antropólogo se vê obrigado a identificá-las "em ação": seria na mediação e resolução de conflitos que os mecanismos de contenção e de ordenação social se revelariam. Por isso, no caso específico da antropologia jurídica, o foco principal é o "estudo de processos, e em particular os processos de acordo de disputas".

A idéia de observar a lei em ação sublinha o valor da pesquisa etnográfica na promoção de uma análise antropológica de um fato jurídico. É como se precisássemos assistir à aplicação da lei para interpretar seu funcionamento. Logo, se os juristas naturalizam o direito, o trabalho do antropólogo é mostrá-lo como uma construção pautada e orientada por um conjunto específico de valores: o direito seria mais canal de compreensão de uma determinada cultura ou de um aspecto cultural específico. Para tanto, coloca em xeque tais valores que se apresentam sob a forma de leis, desvendando a simbologia de poder manifesta nas relações entre partes conflitantes.
Para os advogados, há, na dinâmica dos processos judiciais, espaço para a "interpretação da lei". A antropologia sugere que a ação de interpretar deve ser ampliada; tal perspectiva nos propõe uma reflexão sobre a interpretação das ações jurídicas, dos seus discursos, sobre as variações na aplicação da lei e, no limite, sobre a própria idéia de justiça.
Formalmente, a atuação da pesquisa antropológica no campo do direito pode ser classificada em três categorias: a chamada "antropologia legal", o campo de atuação mais antigo e tradicional da antropologia no direito, que compreenderia os estudos do direito em sociedades simples. Os trabalhos citados acima poderiam ser classificados de tal maneira. A definição "antropologia jurídica" refere-se aos estudos que fazem uso das técnicas de pesquisa da antropologia e seu repertório teórico para estudar as instituições do Poder Judiciário e do universo do direito como a polícia, as prisões ou as cortes. Finalmente, o "direito comparado" constitui também um campo de atuação para o antropólogo, na medida em que exige justamente o exercício do relativismo cultural próprio da disciplina.
Partindo dessa definição, poderíamos tomar a análise aqui proposta como um trabalho de antropologia jurídica. Entretanto, interessam menos os limites que tal rótulo pode colocar e mais as possibilidades que se abrem quando interpretamos o discurso jurídico que se apresenta nas audiências. Na verdade, nos valemos do que Clifford Geertz chama de "saber local", isto é, uma tentativa de explicar fenômenos sociais "colocando-os em estruturas locais de saber", ou do que Pierre Bourdieu chama de "sistema simbólico particular", para então apreender "o universo social especifico (no qual o direito) se produz e se exerce".

In: Miraglia, Paula. Aprendendo a lição: uma etnografia das Varas Especiais da Infância e da Juventude. Novos estud. - CEBRAP, July 2005, no.72, p.79-98. ISSN 0101-3300. www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-33002005000200005&script=sci_abstract&tlng=pt - 9k (acesso em: 03/02/2007)


QUESTÕES:

Estabeleça uma relação entre Antropologia e Direito, considerando:
- A diferenciação básica entre essas disciplinas;
- A diferença na maneira como juristas ou advogados e antropólogos entendem as “leis”;
- A importância do universo simbólico e do imaginário na construção do real;
- A necessidade de se relativizar o real para melhor compreender a sociedade;
- A visão holística (abrangente) dos mecanismos sociais que envolvem a lei;
- A compreensão do direito como controle social que se estabelece com a criação do Estado, mas também por uma série de outros reguladores sociais (valor, tradição, hierarquia, legitimidade e obediência;
- A diferenciação entre Antropologia Legal, Antropologia Jurídica e Direito comparado.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Atenção: Próximo texto de Antropologia

Cultura e antropologia
In: CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia, 13ª ed., São Paulo: Ática, 2004, p. 249-251

     A palavra antropologia é composta de duas palavras gregas: antropos, que significa “homem”, e logia “estudo" (palavra derivada de lógos, que significa "pensamento ou razão", "linguagem ou discurso"). A antropologia estuda os seres humanos na condição de seres culturais. O antropólogo procura, antes de mais nada, determinar em que momento e de que maneira os humanos instituem sua diferença em relação à natureza, fazendo assim surgir o mundo cultural.
     Os filósofos, a partir do século XVIII, consideraram que os humanos diferem da natureza graças ao pensamento, à linguagem, ao trabalho e à ação voluntária livre.
     Os antropólogos, a partir do século XX, sem negar a afirmação dos filósofos, procuram aquela ação com a qual os seres humanos instituem a cultura propriamente dita. Ou seja, como os filósofos, os antropólogos também consideram que as condições para que haja cultura são o pensamento, a linguagem, o trabalho e a ação voluntária, porém julgam que não basta apontar essas condições e que é preciso dizer que ação os homens praticaram ou que decisão tomaram que os fizeram passar da possibilidade da cultura à realidade efetiva dela.
     Se, para muitos historiadores, essa ação foi o trabalho, para muitos antropólogos a cultura foi instituída quando os humanos marcaram simbolicamente sua diferença com relação à natureza, decretando uma lei que não poderia ser transgredida e, se o fosse, a comunidade exigiria reparação com a morte do transgressor. A diferença entre homem e natureza, que dá origem à cultura, surge com a lei da proibição do incesto, lei inexistente entre os animais. Essa lei dá início à sexualidade propriamente humana, que não é apenas a satisfação imediata de uma necessidade biológica, mas é definida por regras que instituem o proibido e o permitido na expressão do desejo. Os seres humanos dão sentido à sexualidade.
     Para alguns antropólogos, além dessa lei, a diferença entre homem e natureza também é estabelecida quando os humanos definem uma outra lei que, se transgredida, causa a ruína da comunidade e do indivíduo: a lei que separa o cru e o cozido, lei também inexistente entre os animais. A separação entre o cru e o cozido e a exigência de que os humanos comam alimentos que passaram pelo fogo colocam a culinária no ponto inicial da cultura. Assim como a sexualidade humana, também a alimentação humana não é apenas a satisfação de uma necessidade biológica de sobrevivência, mas está ligada a regras que lhe dão um sentido propriamente humano.
     Essas duas primeiras leis estruturam o mundo humano a partir da oposição entre puro (permitido) e impuro (proibido), oposição inexistente para todo o restante da natureza. Sexualidade e culinária introduzem a dimensão simbólica da vida humana.
      A cultura como ordem simbólica
     A cultura é instituída no momento em que os humanos determinam para si mesmos regras e normas de conduta que asseguram a existência e conservação da comunidade e por isso devem ser obedecidas sob pena de punição (que pode ir desde um castigo ou a expulsão para longe do grupo de origem até a morte).
     O que é a lei humana? A lei humana é um mandamento social que organiza toda a vida dos indivíduos e da comunidade, tanto porque determina o modo de estabelecimento dos costumes e de sua transmissão de geração a geração como porque preside as ações que criam as instituições sociais (religião, família, formas de trabalho, guerra e paz, distribuição das tarefas, formas de poder, etc.). A lei não é uma simples proibição para certas coisas e obrigação para outras, mas é a afirmação de que os humanos são capazes de criar uma ordem de existência que não é simplesmente natural (física, biológica). Essa ordem é a ordem simbólica.
     A ordem simbólica consiste na capacidade humana para dar às coisas um sentido que está além de sua presença material, isto é, na capacidade de atribuir significações e valores às coisas e aos homens, distinguindo entre bem e mal, verdade e falsidade, beleza e feiúra; determinando se uma coisa ou uma ação é justa ou injusta, legítima ou ilegítima, possível ou impossível. É essa dimensão simbólica que é instituída com a lei da proibição do incesto e a lei da proibição do cru.
     Graças à linguagem e ao trabalho, os seres humanos tomam consciência do tempo e das diferenças temporais (passado, presente, futuro), tomam consciência da morte e lhe dão um sentido; organizam o espaço, humanizando-o (isto é, dando sentido ao próximo e ao distante, ao alto e ao baixo, ao grande e ao pequeno), ao visível e ao invisível. A diferenciação temporal e espacial permite que os seres humanos se relacionem com o ausente diferenciando não só o presente do passado e do futuro e o próximo do distante mas também distinguindo o sagrado e o profano, os deuses e os homens.
     Podemos, então, definir a cultura como tendo três sentidos principais:
     1. criação da ordem simbólica da lei, isto é, de sistemas de interdições e obrigações estabelecidos a partir da atribuição de valores às coisas (boas, más, perigosas, sagradas, diabólicas), aos humanos e suas relações (diferença sexual, significado da virgindade, fertilidade, virilidade; diferença etária e forma de tratamento das crianças, dos mais velhos e mais jovens; formas de tratamento dos amigos e dos inimigos; formas de autoridade e formas de relação com o poder, etc.), aos acontecimentos (significado da guerra, da peste, da fome, do nascimento e da morte, obrigação de enterrar os mortos, etc.);
     2. criação de uma ordem simbólica da sexualidade, da linguagem, do trabalho, do espaço, do tempo, do sagrado e do profano, do visível e do invisível. Os símbolos surgem tanto para representar como para interpretar a realidade, dando-lhe sentido pela presença do humano no mundo;
     3. conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas quais os humanos se relacionam entre si e com a natureza e dela se distinguem, agindo sobre ela ou através dela, modificando-a (rituais do trabalho, rituais religiosos, construção de habitações, fabricação de utensílios e instrumentos, culinária, tecelagem, vestuário, formas de guerra e de paz, dança, música, pintura, escultura, formas de autoridade, etc.).
     Na realidade, não existe a cultura, no singular, mas culturas, no plural, pois os sistemas de proibição e permissão, as instituições sociais, religiosas, políticas, os valores, as crenças, os comportamentos variam de formação social para formação social e podem variar numa mesma sociedade no decorrer do tempo. A esse sentido amplo podemos acrescentar um outro, restrito, proveniente do antigo sentido de cultivo do espírito: a cultura como criação de obras da sensibilidade e da imaginação — as obras de arte — e como criação de obras da inteligência e da reflexão — as obras de pensamento, isto é, a ciência e a filosofia.
     É esse segundo sentido que leva o senso comum a identificar cultura e escola (educação formal), de um lado, e, de outro, a identificar cultura e belas-artes (música, pintura, escultura, dança, literatura, teatro, cinema, etc.). É também esse sentido que leva à distinção entre cultos e incultos, entendida respectivamente como "escolarmente instruídos" e "sem instrução escolar".
Questões:
01. Segundo o texto, qual o objeto de estudo da antropologia e o objetivo dos antropólogos?
02. Para a antropologia, a proibição do incesto e a culinária estão na base da constituição cultural dos seres humanos. Explique por quê.
03. O que é a lei humana? Qual o seu significado na constituição simbólica dos seres humanos?
04. Explique a cultura como ordem simbólica.
05. Para a autora a cultura tem três sentidos principais. Explique cada um deles resumidamente
06. Comente a frase “não existe a cultura, no singular, mas culturas, no plural”
07. Em sentido, restrito, cultura pode significar “cultivo do espírito”. Como essa perspectiva influencia a visão do senso comum sobre arte e educação.

O que se entende por manifestações culturais?

Para a Antropologia Cultural, manifestação cultural é toda forma de expressão humana, seja através de celebrações e rituais ou através de outros suportes como imagens fotográficas e fílmicas.
Além disso, sabemos que as expressões das culturas humanas também são veiculadas através de outras linguagens, escritas ou verbais. O patrimônio também se constitui como uma linguagem que expressa uma forma de sentir e pensar um acontecimento, um tempo, uma dada forma de ver as coisas do mundo.
Em sua origem, o patrimônio estava ligado às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no tempo e no espaço. Hoje a idéia de patrimônio designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade, constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e obras primas das belas artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes das comunidades humanas.
A idéia de um patrimônio comum a um grupo social, definidor de sua identidade e enquanto tal merecedor de proteção perfaz-se através de práticas que ampliaram o círculo dos colecionadores e apreciadores de antiguidades e se abriram a novas camadas sociais: exposições, vendas públicas, edição de catálogos das grandes vendas e das coleções particulares.
Inicialmente, a categoria do patrimônio que mereceu atenção foi a que se relaciona mais diretamente com a vida de todos, qual seja o patrimônio histórico representado pelas edifi cações e objetos de arte.
Paulatinamente, ocorreu a passagem da noção de patrimônio histórico para a de patrimônio cultural, de tal modo que uma visão inicial reducionista que enfatizava a noção do patrimônio nos aspectos históricos consagrados por uma historiografia oficial foi-se projetando até uma nova perspectiva mais ampla que incluiu o “cultural”, incorporando ao “histórico” as dimensões testemunhais do cotidiano e os feitos não-tangíveis.
Portanto, a noção moderna de patrimônio cultural não se restringe mais à arquitetura, mesmo sendo indiscutível que a presença de edificações é um ponto alto da realização humana.
Deste modo, o significado de patrimônio cultural é muito mais amplo, incluindo diversos produtos do sentir, do pensar e do agir humano.
No âmbito internacional, durante as últimas décadas, delinearam-se uma série de instrumentos jurídicos, convenções, declarações, resoluções e recomendações relativas à proteção do patrimônio cultural, de tal maneira que as convenções e recomendações aprovadas pela UNESCO vêm enriquecer o Direito Internacional da cultura e os direitos internos com a elaboração de leis próprias no sentido dado pela UNESCO. Como “Patrimônio Mundial” a UNESCO define todos os bens que possuam um caráter excepcional. Ao considerarmos o “Patrimônio” um bem herdado do passado, investimo-lo de um significado de “referência”. Em outras palavras, tornamos o “Patrimônio” insubstituível para nossa identidade, portanto cabe a nós a efetiva defesa da preservação e divulgação desse legado cultural.
De acordo com a Constituição Brasileira de 1988, os bens sócio-ambientais diferem-se em culturais, históricos, artísticos, arqueológicos, etnográficos e paisagísticos. São bens que têm a característica de estarem vinculados à história, memória ou cultura do país.
Portanto, tem-se que o patrimônio pode abarcar manifestações culturais intangíveis, como as tradições orais, a música, idiomas e festas, além dos bens artísticos.
Neste sentido, as festas populares expressam as formas identitárias de grupos locais, onde o motivo de encontro, de fé ou simplesmente de celebrar atrai e identifca devotos e indivíduos de mesma identidade. As manifestações populares possuem um caráter ideológico uma vez que comemorar é, antes de mais nada, conservar algo que ficou na memória coletiva (Paiva Moura, 2001) e forma de manifestação cultural.
É importante ressaltar que patrimônio histórico-cultural não é apenas o acervo de obras raras ou da cultura de um passado distante; é a valorização e o conhecimento dos bens culturais que podem contar a história ou a vida de uma sociedade, de um povo, de uma comunidade. Será através do contato com tais bens que conheceremos a memória ou até mesmo a identidade de um povo.
Cabe lembrar ainda que todos os bens naturais, ou culturais, materiais ou imateriais, constituem o patrimônio cultural do Brasil, desde que estes sejam portadores de referência à identidade, à ação e à memória de diferentes elementos étnicoculturais formadores da nação brasileira.
Através do conhecimento do nosso patrimônio cultural, podemos aprender sobre nossa memória e, conseqüentemente, exercer a cidadania.

http://cafecomsociologia.blogspot.com/2010/03/manifestacoes-culturais-e-patrimonio.html

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Avp-1 de Antropologia (Roreito completo)

1 - O olhar antropológico;
2 - Explicação e aplicação dos conceitos fundamentais da antropologia
     a) cultura
     b) etnocentrismo
     c) relativismo cultural
     d) alteridade
3 - Análise dos capítulos do livro "Antropologia para quem não vai ser antropólogo"
4 - Abordagem antropológica sobre o documentário etnográfico "À margem do corpo"
5 - Explicação e aplicação do conceito de cultura para C. Geertz na perspectiva da antropologia interpretativa.
6 - Questões de múltipla escolha (estilo ENAD) sobre o conteúdo estudado até o momento.

Avp-1 de Sociologia (roteiro completo)

1 - O que é Sociologia e a sua "utilidade" ;
2 - Como pensa o sociólogo e a importância da Sociologia para o Direito;
3 - Contexto histórico de surgimento da Sociologia;
      a) Mudanças resultantes da industrialização;
      b) Antecedentes intelectuais da sociologia;
      c) Primeiras sociologias: ordem, caos, contradições, evolução
4 - O estudo sociológico sobre o suicídio de E. Durkheim e a sua importância para o surgimento da Sociologia como ciência.
5 - O conceito de "imaginação sociológica" para C. Wrigth Mills e exemplos concretos;
6 - Relação entre teoria, pesquisa e valores
7 - O Direito como fato social;
8 - A formação extralegislativa do direito;
9 - O aparelho judicial como fenômeno ideológico;
10 - Os níveis de análise sociológica: microestrutural, macroestrutural e de estrutura global;
11 - Perspectivas teóricas da sociologia e principais autores;
12 - Análise sociológica do curta "Ilha das Flores".